Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo italiano, reiterava de forma pertinente que todo ser humano é ‘filósofo’ em alguma medida devido à faculdade de todos(as) pensarem a respeito de um determinado objeto. Transferindo tal compreensão para o campo educacional, parece-nos óbvio que os(as) professores(as) da Educação Básica permitam-se cada vez mais ao exercício do pensamento, tendo em vista as suas ações estratégicas na formação de crianças e jovens. Significa, sobretudo, assumir o compromisso social de educar além das fronteiras instrumentais do conhecimento especializado; romper com a estrutura rígida de um currículo que mais ‘aprisiona’ do que ‘liberta’.
Educadores(as) que agregam à sua formação inicial o engajamento social conseguem atingir seus objetivos pedagógicos de forma mais plena; conduzem sua prática no fortalecimento da estima de educandos, politizando o conhecimento científico, sem ficarem trancafiados(as) nas redomas da instrução vazia e pragmática. Os instrumentos avaliativos são entendidos como processos não-estanques, onde o que importa é a internalização do que foi mobilizado conceitualmente.
Assim, o(a) educador(a) é o(a) agente particular essencial na mediação de um mundo ceifado pela intolerância, desigualdade e exclusão. A força coletiva dos(as) educadores(as) é extremamente decisiva na reformulação de currículos rígidos, concorrendo para uma estratégia de implosão lúcida de mecanismos avaliativos arbitrários na educação formal. A educação básica pública, nos moldes em que se encontra, tem reduzido sobremaneira a capacidade de intervenção de educadores e educandos, já que a escola por se tratar de uma instituição eivada de hierarquias tecnoburocráticas (cargos comissionados e de confiança do poder Executivo), acaba por esvaziar sua intencionalidade precípua. Isto se torna ainda mais dramático quando os(as) trabalhadores(as) em educação possuem contratos temporários, jornadas e/ou cargas de trabalho desumanas e em diferentes unidades de ensino, comprometendo a qualidade da aprendizagem; e, sobretudo, fazendo com que estes(as) mesmos(as) trabalhadores(as) afastem-se de suas atividades pedagógicas devido aos problemas crônicos de saúde (síndrome de Burnout, síndrome do pânico, estresse, problemas cardiovasculares, alcoolismo, tabagismo, etc.). Somam-se a estas problematizações o fato de muitos/as educadores(as) sofrerem no ambiente escolar toda sorte de preconceitos (raciais, de gênero e de escolha sexual), além do assédio moral. Invariavelmente, os(as) professores admitidos por contrato temporário (ACTs) são desqualificados pelos próprios colegas que se encontram em situação de efetividade, ainda que executem o mesmo trabalho.
Não bastasse a precariedade das condições de trabalho com que os trabalhadores em educação se deparam em todos os níveis de ensino, a formação continuada no magistério em várias partes do Brasil é praticamente inexistente. Não são oferecidos e/ou disponibilizados recursos técnicos, humanos e financeiros para as unidades de ensino. Em determinas situações, as únicas garantias oficiais correspondem aos dias determinados de formação (calendário letivo) e a certificação dos docentes, mediante a apresentação de um projeto pedagógico detalhado do que será trabalhado neste cronograma. Em outras palavras, as unidades de ensino respondem pela sua formação, ainda que não tenham os meios para executá-la.
O que poderia ser pior? Pois já existe no Brasil uma nova modalidade de expropriação do trabalho intelectual desses profissionais: o professor terceirizado. A polêmica foi assunto da Folha de S. Paulo em 2007 e reacendeu uma velha discussão: até quando os educadores brasileiros continuarão exercendo seu trabalho sem qualquer dignidade e respeito ao seu ofício? Só no estado de São Paulo são mais de 15 mil educadores do setor particular que estão nessa condição aviltante. O modelo de contratação dos professores é idêntico dos funcionários de limpeza e segurança, ou seja, contratos temporários e dependentes de uma demanda focalizada. A terceirização é realizada através de uma cooperativa e as instituições contratantes ficam livres de encargos trabalhistas, tais como FGTS, férias e décimos terceiros salários. A ‘economia’ na folha de pagamento chega até 50%. Um grande negócio à custa de uma mão de obra qualificada, porém, precarizada.
O impacto pedagógico também é imenso, pois os professores não recebem qualquer benefício caso sejam demitidos ou tenham de faltar por motivo de doença. A elevada rotatividade também é comum, pois os professores não criam vínculos com aquele espaço educativo. O que ocorre na prática é uma deturpação do cooperativismo, pois apenas uma parte – o dono da instituição de ensino – é que sai ganhando. Não há divisão dos lucros. Em grande medida, esta foi a saída nada honrosa dos donos de escolas de São Paulo, realidade também presente em várias partes do país, para amenizar a diminuição das matrículas tanto na educação básica como no ensino superior.
Sendo assim, com o setor educacional privado em crise as políticas públicas educacionais precisam promover a valorização dos educadores, tendo em vista que já há no Brasil vagas ociosas no ensino médio devido aos baixos salários. A qualificação dos educadores nas diferentes e variadas licenciaturas associado a um piso salarial nacional digno, reduziria bastante a procura por instituições particulares que exploram a mão de obra docente, ferindo inclusive princípios trabalhistas. Reforçar qualitativamente a educação básica pública é apostar num projeto de formação em longo prazo, o que trará, sem dúvida alguma, mudanças significativas em diversos setores produtivos da sociedade brasileira. No que tange ao professor temporário, necessário desconstruir a imagem de um/a profissional que não se envolve com a comunidade escolar ou local. Este(a) profissional é duplamente penalizado: primeiro por estar vendendo a sua força de trabalho por um valor menor pelo mesmo número de horas de atividade pedagógica de um(a) professor(a) efetivo(a); e, segundo, não consegue estabelecer vínculos duradouros com os(as) estudantes e com seus próprios colegas de trabalho.
Logo, um modelo de educação que prima pela gestão tarefeira e antidemocrática, prima também pela conivência da exploração incessante de uma força de trabalho intelectual precarizada e que é responsável pela formação das novas gerações em todo o país. Os nossos professores merecem respeito, o que só será possível se a carreira for atraente do ponto de vista salarial, planos de carreira dignos e a continuidade de estudos em nível de pós-graduação. Basta de demandas artificiais ou epidérmicas (educação para o trânsito, educação sexual, combate às drogas, etc. e etc.). A escola é local de produção de conhecimento, além de espaço estratégico de transformação social. Esta é uma aposta permanente se quisermos ter uma educação plena e consequente!
Jéferson Dantas
Historiador e Doutorando em Educação (UFSC). Pesquisador e articulador dos estudos do currículo na Comissão de Educação do Fórum do Maciço do Morro da Cruz na cidade de Florianópolis/SC. É ensaísta, compositor e letrista. Autor de uma dezena de artigos. Publicou quatro livros.
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