2 de outubro de 2012

Especial Eric Hobsbawm

Café História

Eric Hobsbawm: vida e obra de um historiador singular
Conheça mais sobre a trabalho e a trajetória de um dos mais importantes historiadores britânicos do século XX.
Um giro pelo noticiário nacional e internacional neste dois de outubro de 2012 evidencia o enorme reconhecimento que Eric Hobsbawm conquistou ao longo de quase oito décadas dedicadas ao estudo da história. A morte do historiador britânico, ocorrida ontem, na Inglaterra, aos 95 anos, foi capa dos principais jornais do mundo. Hobsbawm, que estava internado no Royal Free Hospital, em Londres, morreu em decorrência de uma pneumonia, deixando esposa, três filhos, sete netos, um bisneto e milhões de admiradores pelo mundo, muitos dos quais brasileiros. Em sua homenagem, o Café História preparou o presente texto, no qual lembramos sua trajetória, suas várias identidades e a recepção de sua obra, citada em um número incalculável de trabalhos que abordam a história mundial do século XIX e XX.

Hobsbawm: o historiador
Eric Hobsbawm esteve certamente entre os historiadores britânicos mais importantes e influentes do século XX. Como docente, foi um profissional dedicado e fiel. Atuou praticamente toda a vida na mesma instituição de ensino, o Birkbeck College, em Londres, onde foi admitido em 1947. Em termos historiográficos, esteve ao lado de nomes como E.P. Thompson, Raymond Williams e Christopher Hill, uma bem sucedida geração de historiadores de esquerda que rompeu com uma leitura ortodoxa do marxismo, excessivamente economista, determinista e desprovida de conexão com a prática política. Hobsbawm não fez parte diretamente, mas também acompanhou a reestruturação dos historiadores de esquerda em torno da revista “New Left”, na década de 1950, importantíssima no contexto político e intelectual do pós-guerra. Em seus textos, mostrou sempre uma incrível erudição. O historiador Christopher Hill disse certa vez, brincando, que nada se podia ensinar ao colega Eric Hobsbawm. “Ele já sabia de tudo”.
No Brasil, “A Era dos Extremos – O Breve Século XX: 1914 -1991” foi notadamente o seu livro mais conhecido. Editado pela Companhia das Letras, o título vendeu incríveis 227 mil exemplares, tornando-se um verdadeiro best-seller na área. Mas as suas principais contribuições à historiografia estão mesmo em obras anteriores, tais como “A Invenção das Tradições” e “Nações e Nacionalismos desde 1870”, nas quais analisa a complexa estruturação dos Estados nacionalistas do século XIX, e “História Social do Jazz” e “Mundos do Trabalho: Novos Estudos Sobre a História Operária”, onde o autor explora a trajetória do mundo do trabalho a partir não só da ótica econômica, mas também do social. É dele também a série composta pelos livros "A Era das Revoluções", "A Era do Capital" e "A Era dos Impérios", que fazem companhia ao já mencionado "A Era dos Extremos". Seu último livro, "Como mudar o mundo", uma coleção de ensaios, foi publicado em 2011 no país pela Companhia das Letras.
Uma característica presente em quase todas as obras de Hobsbawm é a acessibilidade da narrativa. Além de bom pesquisador, o historiador tinha uma boa escrita, sabendo alcançar o grande público sem abrir mão da profundidade de suas análises históricas. Afonso Carlos Marques dos Santos, antigo professor de Teoria de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, falecido em 2004, fez certa vez uma síntese bastante original da história feita por Hobsbawm, destacando uma outra característica do historiador inglês - a coragem para desafiar paradigmas do marxismo:
- “É evidente que Hobsbawm orientou a sua construção historiográfica a partir de uma ambição totalizante, muito cara ao marxismo, mas soube fazê-lo com sensibilidade, ampla cultura geral e abertura para novas formulações oriundas de outras tendências historiográficas. Abertura que deve ter desagradado àqueles que, do lado de cá do Atlântico Sul, vivem incomodados com o que chamam “modismos pós-modernos” ou “desvios irracionalistas” das temáticas clássicas da ortodoxia marxista. Na introdução de A Era dos Impérios Hobsbawm usou como epígrafe uma passagem de Pierre Nora em Les Lieux de Mémoire, onde a história aparece como “a sempre incompleta e problemática construção do que já não existe”. Nesta citação, Nora, ao demarcar as distinções entre memória e história também afirma: “A memória sempre pertence a nossa época e está intimamente ligada ao presente eterno; a história é uma representação do passado”. Hobsbawm , ao problematizar o período 1875-1914, começa pela própria história da sua família valendo-se da memória para motivar a penetração num tempo que se fecha na altura do seu próprio nascimento. Recorre, portanto, a uma dimensão biográfica e individualizada da existência humana para falar de um tempo socialmente repartido. E é curioso que tenha lançado mão de Pierre Nora, uma personalidade central no campo da editoração de obras históricas na França. A heterodoxia de Hobsbawm certamente não deve ter agradado àqueles que, mesmo sem muita familiaridade com a produção historiográfica internacional, apontam de forma condenatória para o que seria a “nossa francofilia” no campo dos estudos históricos”. (leia essa análise, na íntegra, clicando aqui).
Hobsbawm: o intelectual
Além de historiador, Hobsbawm tinha ainda uma faceta bastante rara atualmente entre profissionais da área: era um intelectual público ativo. Na Inglaterra e no exterior, Hobsbawm sempre foi figura fácil em artigos, ensaios e entrevistas, falando de algum acontecimento do momento. Nos atentados de 11 de setembro, por exemplo, foi um duro critico das explicações de “choque de culturas”. Para Hobsbawm, o terrorismo deveria ser entendido a partir de uma relação de dominação e exclusão promovida pelo Ocidente ao longo dois últimos dois séculos. Foi ainda neste âmbito conselheiro de figuras importantes da política mundial, com Luís Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, e participou com frequência de eventos públicos em todo o mundo. Esteve pela última vez no Brasil em 2003, quando foi uma das principais atrações da Festa Literária de Paraty (FLIP).
A presença costumeira no espaço público talvez se explique pela própria experiência de vida do historiador. Nascido em Alexandria, Egito, no ano de 1917, Hobsbawm foi testemunha daquilo que ele chamou do “breve século XX”, um século bastante acelerado pela enormidade de acontecimentos impactantes em termos políticos e culturais. Filho de pai britânico e mãe austríaca, viveu muitos cenários e situações deste período de bem perto. Cresceu em Viena e, após a morte dos pais, judeus, mudou-se para Berlim. Após testemunhar a ascensão do nazismo de Hitler, mudou-se com o tio e a irmã para Londres. Acompanhou, então, a Segunda Guerra Mundial, a crise europeia, a Guerra Fria e toda uma gama de eventos históricos que transformaram o planeta.
Hobsbawm - como todo grande pensador - também acumulou críticas ao longo da vida. A maior delas se refere a sua fidelidade ao Partido Comunista (PC), inabalável mesmo durante a Invasão Soviética à Hungria, em 1956. Permaneceu membro do PC até a sua desintegração, em 1989. Outra crítica também comum a Hobsbawm se refere a sua relação com o stalinismo. Para o professor de história da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Ricardo da Costa, Hobsbawm omitiu em suas obras muitas informações sobre os horrores cometido em nome do marxismo-leninismo soviético. (leia esta crítica, na íntegra, aqui).
Hobsbawm para os historiadores brasileiros
Procurando entender um pouco mais da relevância de Eric Hobsbawm no Brasil – um dos países onde era mais lido, além da Itália – o Café História conversou com algumas pessoas que vivem o cotidiano acadêmico no país. Nossa ideia era identificar como Hobsbawm se tornou a referência entre historiadores brasileiros que é hoje, mesmo quando objeto de críticas.
Monica Grin, professora de história contemporânea do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IH-UFRJ) desde 1997, explicou ao Café que a narrativa de Hobsbawm tem o mérito de não só ter popularizado e historicizado o marxismo para legiões de estudantes, como também se tornou indissociável da própria história contemporânea. Grin sublinhou ainda que durante muito tempo Hobsbawm “frequentou” os seus programas de curso na UFRJ, sendo lido com grande prazer pelos alunos:
- Adotei em diversas conjunturas os livros de Hobsbawm. Usei “História do Marxismo - 12 volumes” , “A Era das Revoluções – 1789-1848”, A Era do Capital - 1848-1875” e “A Era dos Impérios - 1875-1914” quando se tratava de aulas para a graduação sobre a emergência do marxismo no século XIX, sobre os desdobramentos sociais da chamada Revolução Industrial e sobre os Impérios e Imperialismos. Não raro, comparava Hobsbawm com Thompson e Polanyi para compreender a história social de um perspectiva marxista, conforme a historiografia inglesa marxista; com Hannah Arendt para discutir imperialismo. Em outras situações, o tema do Estado nação e do nacionalismo me fazia visitá-lo, quer em “Nações e Nacionalismo”, quer em seu livro com Trevor-Roper, “A Invenção da Tradição”. Neste caso também não me furtava às comparações com Gellner, Benedict Anderson, Charles Tilly, Anthony Smith. Cheguei a usar também alguns de seu ensaios em historiografia que saíram em “Sobre história”.
Maria Paula Araújo, também professora da UFRJ, revela uma memória bastante interessante, que remete a um jantar que ela e mais três amigas tiveram com o historiador inglês nos anos 1980, no Rio de Janeiro, na ocasião do lançamento de um de seus livros no Brasil:
- Eu tenho orgulho de dizer que tenho na minha estante quase todos os seus livros. E também tenho na memória uma noite em que eu, Helena Maria Gasparian, Adriana Benedikt e Vera Paiva, nós quatro iniciando o mestrado (acho que isso foi em 1983 ou 84) levamos Hobsbawm para jantar no Lamas (tradicional restaurante do Rio de Janeiro). Ele era um dos autores exclusivos da Editora Paz e Terra (do Fernando Gasparian, pai da Helena) e nos coube esta tarefa - levar Hobsbawm e a esposa para jantar. Na época nós achávamos que o Lamas era um restaurante quase sofisticado (estávamos acostumadas com o Jobi, o Diagonal e a Pizaria Guanabara). Foi uma noite inesquecível. Hobsbawm deu palpite nos nossos trabalhos, até no da Vera, que era sobre a "Lilith" (a primeira mulher de Adão, insubmissa e devassa, que foi banida do Paraíso e da Bíblia).
Maria Paula completou ainda dizendo que embora o encontro tenha se dado há quase 30 anos, não esquece da generalidade e a versatilidade de Hobsbawm, disposto a conhecer e a opinar sobre o trabalho daqueles quatro mestrandas brasileiras de vinte e poucos anos.
Já Zózimo Trabuco, professor de História do Brasil da Universidade Federal de Feira de Santana, contou ao Café que acredita ter começado a ler os textos de Hobsbawm como a maioria dos seus leitores: a partir das “Eras”. “O modo como relacionava as ideias e as práticas sociais às mudanças políticas e econômicas e a visão comparativa dessas relações em diferentes lugares dentro de uma mesma temporalidade sempre me fascinou”, diz o professor. Sobre a história feita de Hobsbawm, Trabuco diz também:
- Acho que Hobsbawm representou um modo de compreender a história e o papel do intelectual que se confundem com o conjunto de sua obra e os tempos históricos aos quais ele se dedicou a analisar: grandes sínteses, visão global ou cosmopolita das transformações do mundo, senso de responsabilidade política da pesquisa e da comunicação do conhecimento histórico, e apesar - ou em função - das opções políticas pessoais que fez ao longo da vida, um rigor teórico e metodológico que o fazia ter o compromisso ético de reavaliar ideologias e alternativas políticas que marcaram sua trajetória como intelectual público. Neste sentido, o "Breve Século XX" foi em Hobsbawm o longo século de um modo de fazer História, foi a "Era de Hobsbawm".
Mas não é só entre professores que Hobsbawm é referência. Entre estudantes de história também. João Teófilo, estudante do nono período do curso de história da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UEVA), na cidade de Sobral, disse que ficou muito triste quando soube da morte do historiador, por quem tinha grande admiração. Teófilo explicou que os textos de Hobsbawm estavam presentes nos cursos de sua faculdade e revelou porque gosta tanto dos textos do autor:
- Os escritos de Hobsbawm, embora de uma linguagem complexa, são de uma riqueza ímpar, uma vez que a maestria do historiador, de uma erudição invejável, mais que proporcionar um entendimento inteligente que nos ajuda a refletir sobre a relação do homem com o tempo-espaço, serve de exemplo para uma escrita exemplar da História. As leituras de Hobsbawm, a exemplo de “A Era do Extremos”, deixam claro que, não por acaso, ele é um dos maiores historiadores.
Discutindo Hobsbawm
E você, estudante, professor ou apenas interessado por história, também gosta da história produzida por Hobsbawm? O debate continua no nosso fórum sobre o tema, que pode ser acessado aqui. Neste espaço, estamos discutindo as maiores contribuições dadas por Hobsbawm à historiografia. Tem reservas ou críticas a obra do autor? Este também é o espaço. Acesse, compartilhe suas ideias e enriqueça o debate.

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