9 de maio de 2011

Como destruir o ensino médio público


Sob o patrocínio por ora oculto do ministro da Educação, Fernando Haddad, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou uma proposta que, se posta em prática, oficializa a bagunça no ensino médio do país. Os pobres serão definitivamente condenados à ignorância; na prática, vai se instituir um sistema de castas na educação. A quem pode pagar, ensino médio privado e de alta performance e, por conseqüência, os cursos superiores mais concorridos e as melhores universidades… públicas! A quem não pode, ensino público de quinta categoria no antigo segundo grau, faculdades privadas que não se distinguem de balcões de negócios, financiadas pelo ProUni. Eu explico.

Segundo a genial proposta aprovada pelo CNE, cada escola — sim, cada escola! — poderá organizar o seu próprio curso de ensino médio, desde que ministre disciplinas em quatro áreas: “trabalho, tecnologia, ciência e cultura”. Sei… Um colégio que fique numa área industrial, enfatizaria mais “trabalho e tecnologia” e, pois, deveria dar mais ênfase, por exemplo, a disciplinas como física e química… Ah, que interessante! Os colégios de São Thomé das Letras (MG) e Varginha, onde os ETs costumam dar pinta — aborrecidos que estão com o tédio das esferas —, concentrarão seus esforços em literatura; ficção científica, de preferência.

É uma sandice! O ensino médio no Brasil precisa é do contrário: urge a definição de um currículo mínimo de abrangência nacional, até porque, vejam a contradição, os estudantes do Enem fazem um exame… nacional! Por mais que o Ministério da Educação alopre nas questões — e, com efeito, sobram muito proselitismo e muita vigarice —, supõe-se a existência de um conteúdo mínimo que tem de ser ministrado. Imaginem se a coisa corre solta, cada escola definindo a sua própria prioridade… Alguém dirá: “Viva a liberdade!” Uma ova! Viva o autoritarismo dos chefes de quarteirão!

Trata-se de uma proposta contra os pobres. As escolas privadas de ensino médio de alta performance, que avaliam o desempenho dos professores e que vivem de resultado, tenderão a usar a “liberdade” para tornar seus cursos ainda mais competitivos, preparando seus estudantes para os cursos mais concorridos das universidades públicas. Já as escolas públicas do que antes se chamava “segundo grau”, corroídas pelo sindicalismo casca-grossa, que preferem ensinar “cidadania” (seja lá o que isso signifique) a matemática, física ou química, vão se entregar ao proselitismo rasgado. Os currículos passarão a ser definidos pelos sindicatos.

Tudo bem! Dado o andamento do ensino universitário no país, o desastre não será nem sequer percebido. Há muitos mecanismos para mascarar a desigualdade educacional no país que diz ter a educação como prioridade. Começa com o sistema de cotas e se estende ao ProUni, hoje um gigantesco sistema de repasse de dinheiro público para mantenedoras privadas. A esmagadora maioria das vagas destinadas aos pobres é composta dos cursos que requerem apenas cuspe e giz — às vezes, nem isso. O que o CNE está propondo é a radicalização desse sistema.

A proposta desce a detalhes perversos. Permite, por exemplo, que 20% das aulas do ensino médio noturno — 40% dos alunos — sejam, como se diz hoje em dia, “não-presenciais”, e o curso poderá durar mais de três anos. Pois é… Brasil afora, dada a desordem no setor, os alunos já fazem curso a distância porque não há professores.

A proposta aprovada pelo CNE, patrocinada nos bastidores por Haddad, é vergonhosa. Significa a renúncia ao esforço em favor da qualidade.

Por Reinaldo Azevedo

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