Em vésperas de vestibulares e nos períodos em que ocorrem as provas do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio – a imprensa costuma reforçar o noticiário e as análises sobre educação no Brasil. O teor é sempre o mesmo, no arco que vai desde a má qualidade do ensino até as chances de o Brasil, com uma população de baixa escolaridade, competir no mercado global de alta tecnologia. 

Durante alguns anos, até muito recentemente, uma das principais diversões de cidadãos de classe média na internet era trocar mensagens com barbaridades supostamente cometidas por estudantes despreparados. Tais manifestações nunca dissimularam o ranço do preconceito social contra quem nunca teve oportunidade de frequentar escolas pelo menos razoáveis. 

Na sexta-feira (9/11), em meio ao intenso noticiário sobre o Enem, o Estado de S.Paulo traz um caderno especial intitulado “Educação, ferramenta para o desenvolvimento”. Diz o enunciado na primeira página: “Para não perder a corrida da competitividade, o País precisa enfrentar o desafio de investir na qualificação profissional”. 

Qualidade baixa 

Não por acaso, esse suplemento vem abrigado na editoria de Economia e Negócios. É o resultado de debates realizados pelo jornal paulista em parceria com a Confederação Nacional da Indústria, no terceiro encontro da série de fóruns chamada “Brasil competitivo”. Trata-se, portanto, de uma visão da educação voltada especificamente para os interesses da indústria. 

Esse contexto explica, a princípio, o foco central do trabalho: o objetivo de seus patrocinadores é discutir unicamente aquilo que, no entender dos organizadores do evento, representa a principal carência do Brasil no que se refere à educação: “a falta de mão de obra qualificada”. 

Dentro do amplo espectro da questão educacional, a única coisa que interessa, no caso tratado pelo caderno especial do Estadão, é a educação profissionalizante, considerada fundamental para aumentar a produtividade da indústria nacional. Segundo a publicação, a indústria brasileira precisará de 7,2 milhões de técnicos até 2015, para atuar em 177 atividades industriais. 

O panorama desenhado pelo suplemento do Estadão é, no fundo, otimista, porque projeta uma necessidade crescente de profissionais, o que indica a perspectiva de crescimento da economia e, principalmente, da indústria. 

Numa das entrevistas, a diretora executiva do movimento Todos pela Educação, iniciativa de empresários e ativistas sociais, afirma que o Brasil poderá ter, até 2022 – portanto, em dez anos – um sistema de educação básica de qualidade para toda a população. 

Nos últimos anos, o país conseguiu colocar 98% de suas crianças no ensino fundamental, mas a qualidade ainda é baixa e a evasão elevada: no ensino médio, o índice de matriculados cai para 80%, e apenas 50% do total de estudantes concluem essa etapa da educação essencial. 

Visão otimista 

Essa é a chave para entender o dilema da indústria: a defasagem criada entre o início e o fim do ensino médio dificulta a capacidade de aprendizado das questões mais complexas que implicam, por exemplo, funções técnicas de montagem, controle e manutenção de equipamentos que envolvem eletrônica; adequação de processos a normas técnicas, e – principalmente – a fabricação de insumos imateriais, como programas de computador e aplicativos para outros aparelhos de comunicação e informação. 

Enquanto o Brasil avança no uso de equipamentos automatizados e se insere entre os maiores usuários de dispositivos digitais, aumenta sua dependência de fornecedores estrangeiros e diminuem suas chances de acompanhar a evolução da tecnologia. 

A falta de qualificação se reflete até mesmo nas escolhas do consumidor: o uso de telefones celulares de terceira geração é muito reduzido no Brasil, principalmente porque os consumidores não sabem diferenciar entre os aparelhos obsoletos que as empresas oferecem aqui e as alternativas mais avançadas disponíveis há muito tempo em outros países, por preços mais baixos. 

No caso das comunicações, estamos vivendo o mesmo fenômeno que marcou a indústria automobilística nos anos 1990, quando os brasileiros se satisfaziam com modelos que o ex-presidente Fernando Collor chamou de “carroças”. 

O fato de que apenas 25% dos celulares vendidos no Brasil têm habilitações de smartphones atrasa o desenvolvimento de muitos negócios e reforça a exclusão digital. 

O acesso à tecnologia digital poderia ajudar a melhorar a educação. Esse é um dos aspectos do círculo de carências que afetam a educação e a economia.

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