6 de outubro de 2011

País corre o risco de não ter professores para o ensino médio


Faculdades formam especialistas em áreas e não os capacitam a dar aulas. Queda no desemprego afasta docentes da profissão

O ensino médio é, certamente, a etapa de ensino em que o trabalho do professor mais se distancia daquilo que seria o "ideal" como modelo pedagógico. Em geral, no ensino superior, os professores não são capacitados para dar aulas. Mesmo as licenciaturas, que têm como objetivo principal formar para a docência, ensinam as pessoas a serem biólogos, físicos, matemáticos, químicos, gramáticos, entre outras profissões.

Quando estes estudantes universitários viram professores do ensino médio, não possuem nenhuma idéia do que deve ser feito para preparar o aluno a seguir, com relativo sucesso, para o ensino superior. Apenas reproduzem o que aprenderam no ensino superior e o que era o seu ensino médio.

É muito difícil para o professor, mesmo aquele que se rebela contra a situação, seguir por outro caminho. Os conteúdos que estão nos livros escolares, nas apostilas das grandes redes de “deseducação” e nos programas dos vestibulares servem de estímulo para que a escola e a sociedade aceitem a situação de ensinar em suas salas de ensino médio o conteúdo que é necessário aos profissionais destas profissões.

Para o aluno, a situação é incômoda. Precisa, para ser entendido como um bom aluno, entender de conteúdos que são necessários para físicos, geógrafos, gramáticos, matemáticos, biólogos e outras tantas profissões. É importante notar que, na maior parte dos casos, professores de matemática não sabem a que período literário pertence a obra de Gregório de Matos. Professores de português não dominam os efeitos da radioatividade e da reflexão da luz. Professores de física não se lembram o que é um alelo recessivo. Os de biologia sentem dificuldade em compreender como, dobrando a medida de todos os lados de um cubo, chegamos a um objeto com o volume oito vezes maior que o primeiro.

Pois é assim. Cada professor é um especialista em uma matéria, ou área do conhecimento como gostam de dizer, e tem na cabeça um programa que faça de cada aluno um semi-especialista em sua área. O professor sabe pouco de outras áreas, mas acha completamente normal que o aluno tenha que acumular conteúdo de todas elas.

Quanto mais periférica a escola, a situação envolve mais agravantes. Um deles é a falta até mesmo de professores que passaram por uma formação acadêmica equivocada. Em boa parte das escolas temos professores adaptados. Na falta de um professor de história, coloca-se um bacharel em direito. Um matemático acumula as aulas de física. Um enfermeiro assume a cadeira de biologia. No ensino médio é onde mais encontramos esses desvios de função.

Como o ensino médio conta com alunos com um pouco mais de maturidade e independência, por serem mais velhos, existem mais salas que funcionam no período da noite do que no fundamental. Como os salários são baixos, o professor de ensino médio tem mais oportunidades de acumular, graças às aulas à noite, uma carga de trabalho maior.

Vários docentes desta etapa trabalham pela manhã, tarde e noite. Alguns ficam só nas salas de aula. Outros acumulam a função de professor com alguma outra. Para o professor de ensino médio sobra muito menos tempo para o descanso, para a atualização, para o preparo de aulas, para o lazer e para o ócio.

A falta de professores que estudaram para lecionar no ensino médio e atuam nas escolas deve aumentar nos próximos anos, com a consequente substituição por "adaptados", ou a simples vacância de aulas em algumas matérias.

Mesmo que a mudança de nossa pirâmide etária diminua a cada ano o número de alunos matriculados no ensino médio e que a evasão continue alta, a diminuição das taxas de desemprego faz com que cada vez mais pessoas abandonem a profissão.

Em algumas regiões do País, as taxas de desemprego para pessoas com nível superior estão bem próximas do que chamamos de situação de pleno emprego, que é quando a porcentagem de desempregados só representa a mobilidade das pessoas entre um emprego e outro. Professores ganham, em média, 60% a menos que profissionais com o mesmo tempo de estudo. É natural que muitos migrem para outras profissões e que evitem começar a carreira em sala de aula.

Mudar a situação exige um trabalho coordenado do governo. Somente salários melhores poderão atrair mais pessoas para a carreira. Se isso não acontecer, o Brasil corre o risco de simplesmente não ter pessoas dispostas a trabalhar nas salas de aula do ensino médio. Os currículos das licenciaturas precisam considerar que estes profissionais vão atuar na capacitação de alunos para seguir no ensino superior, e não para ser uma enciclopédia de conteúdos. E os currículos precisam ser redirecionados.

Basta da ditadura dos livros didáticos e dos sistemas de ensino. Este ensino, que finge ser educação, na verdade só possibilita o sucesso de uma minoria. A maioria passa por ele sem acumular nada em sua vida. Não é justo que organizemos uma escola que faz com que grande parte dos alunos sinta-se incapaz. Eles não são. A falta de uma função racional para o ensino médio e os erros nas políticas públicas relacionadas a ele fazem com alunos cheguem à idade adulta sem compreender textos, sem conseguir resolver problemas simples de matemática e com dificuldades para atuar de forma cidadã na sociedade.

FONTE: AQUI

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